Um Conto em Movimento #001

susana martins
Eu sei que parece estranho… Aporion… Episto… Vocês irão rir de mim! Mas, ele apressava seus passos como se estivesse atrasado para um encontro. E de fato estava. Tinha local e hora marcados para sua chegada. Porém, o que afligia seu coração não era a pressa, nem a saudade dos que o esperavam. Seu tormento vinha do pensamento mais insistente que sua mente já tivera: o enigma de sua existência.
Existir era o quê? E se ele não fosse, só existisse?
– Olha você presenteando-nos com o jogral da ambivalência! Bobagem essa de distinguir quem é de quem existe!
– Ah! Espere para entender onde ele queria chegar, meu amigo. Então, ele – assim como eu e, talvez, assim como vocês – não se encaixava no mundo. Sentia ser uma peça de jogo de damas num tabuleiro de xadrez ou como uma peça de xadrez num tabuleiro de damas, o que importa? A ordem não muda a angústia, disse a si mesmo. Até porque o tabuleiro é quase igual para ambos os jogos, só mudam as peças e as regras. Sua aflição permeava desde o porquê de sua existência ao porquê de sua morte. Era como se todas as ideias que ouvira a respeito não tivessem argumentos suficientes. Talvez, ele não admitisse, mas, procurar resposta para o porquê de existir era o consolo do porquê da morte. A gente não consegue pensar nossa não existência. Com ele não era diferente. Mas, vou contar do início. Colocando as mãos no bolso e apertando ainda mais o passo, começou a olhar nos rostos dos transeuntes que o acompanhavam ou que vinham ao seu encontro. É preciso ver o semblante, não basta ver o rosto, ele pensou. Distraído, pisou numa poça d’água que, no chão, estendia-se como armadilha. Embaraçado pelo medo, não de que alguém tivesse visto sua distração, mas que tivesse escutado seu pensamento…
– Certamente ele devia ser um esquizofrênico, então, não? – Disse Aporion, entre o riso.
– Bem. Querem ouvir ou não? Ele sabia que às vezes balbuciava seus devaneios, como se o som pudesse eternizar aquilo que outrora era mudo – e tinha medo que o julgassem louco. Não que a loucura para ele fosse algo negativo, ela até soava como o outro lado da sabedoria. Mas, porque sabia que os medrosos de seu tempo tinham poderes para o prender ou queimá-lo na fogueira psicológica da discriminação – talvez, em nome do normal e dos bons costumes, quem sabe? Ele não arriscaria. O desconhecido é, por si, mistério e raramente alguém quer entendê-lo. Melhor eliminá-lo e assim ninguém perece… Ele até sorriu com esse pensamento. Percebeu estar andando mais lentamente e que nem a responsabilidade de chegar ao compromisso tirava-o a ideia do porquê de existir, melhor, o de porque deixará de existir. Voltando ao ritmo da pressa, pensava na misteriosa aventura de ser. Pelo senso comum, para ser, alguém tinha que tê-lo projetado dentro do tempo e do espaço. Sim, porque para existir era preciso ocupar um determinado espaço e para estar num determinado tempo era necessária uma locação temporária. Mas, o que ele era antes de sua existência? Era ou não era? Isso! Eu estou aqui, porque o tempo e o espaço permitem minha existência! Estou num determinado local e enquadrado num determinado tempo e ainda que eu negasse o ano e o lugar em que estou não faria diferença, porque não vivo numa época anterior – ainda que quisesse! – e não estou em outro lugar, senão aqui… Mas, o que eu era antes de ser? E se para existir eu preciso do tempo e do espaço, eu existia antes daqui? Assim, ele continuou seu caminho.  (CONTINUA)


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Respostas

  1. Avatar de

    Um dos contos que mais gosto. Que bom que está compartilhando.Com carinho,Ricardo

  2. Avatar de

    Bora continuar que ficou interessante…. 😉

  3. Avatar de

    O quê queres? Tem razão, ele vem em passos lentos depois de se recuperar. O que aconteceu? Contigo aqui me sinto-me muito bem. Sabes que não é vergonha. Vim ao teu encontro com pressa. Não parecia? Mas estive aqui todo o tempo? Sim… a teu lado, ele riu provocante. É verdade! És tu! Sim. Libertado de todos preconceitos…

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